sábado, 30 de junho de 2012

Pesquisa do IBGE constata desigualdades entre negros e brancos

Nesta sexta (29), o IBGE divulgou dados demográficos do Censo 2010, mostrando que brancos recebem salários mais altos e têm mais acesso ao estudo do que negros, divididos pelo estudo em pretos e pardos, conforme matéria trazida pelo UOL Notícias. Na região Sudeste, os rendimentos dos brancos é o dobro do que é pago aos pretos. Há mais empregadores entre os brancos (3%) do que entre pretos (0,6%) e pardos (0,9%).

Por fim, do total da população, 9,6% são analfabetos. Já, entre os brancos, 5,9%. E entre pardos e pretos, 13% e 14,4% respectivamente. Vale ressaltar que, de acordo com o Censo 2010, os brancos totalizam 47,7% da população, enquanto pretos e pardos correspondem a 50,7%.

Um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta que os homens brancos apresentaram as menores taxas de desemprego em 2005 (6,3%) – número que subia para 8,1% entre os homens negros e para 14,1% entre as mulheres negras. A diferença entre o rendimento médio dos homens brancos e negros havia caído 32,6% entre 1995 e 2005. A causa não foi tanto a melhoria do salário dos negros, que existiu, mas uma piora nos ganhos dos brancos – proporcionalmente, mais acentuada.

A resposta para esse quadro está nas oportunidades a que cada um teve acesso e as barreiras impostas a elas pela cor de pele.

Pretos, pardos e brancos deveriam ser tratados como iguais uma vez que são iguais. Mas, historicamente, a eles não foi dado o mesmo tratamento. Encarar, portanto, pessoas com níveis de direitos diferentes como iguais é manter o nosso bizarro status quo. Não basta cotas em universidades. Temos que avançar para reservas de vagas em cargos da administração pública, no sistema judiciário e em outras instâncias. Não eternamente, mas até conseguirmos corrigir o imenso fosso que separa brancos e negros.


Somos bombardeados com o mito da democracia racial brasileira, construído para servir a propósitos. Mito que se prova verdadeiro em novelas, minisséries ou alguns programas de TV, normalmente concebidos por brancos, mas que na vida real são tão concretos quanto a curupira, o boto e a mulher de branco.


“Ah, mas o preconceito no Brasil é contra pobre, não contra negro!” A despeito do fato de haver, proporcionalmente, mais negros entre os pobres do que brancos, por conta de uma herança maldita deixada por uma abolição que nunca ocorreu totalmente, a discriminação pelos não-brancos vive saudável por aqui.


Como gosto sempre de lembrar, o quase ex-senador Demóstenes Torres praticamente afirmou que escravas negras não foram violentadas pelos patrões brancos. Afinal de contas, segundo ele ao criticar as cotas para negros em universidades públicas federais em 2010, “isso se deu de forma muito mais consensual” e “levou o Brasil a ter hoje essa magnífica configuração social”. E que, no dia seguinte à sua libertação, os escravos “eram cidadãos como outro qualquer, com todos os direitos políticos e o mesmo grau de elegibilidade”. Pô, em que mundo ele vive?

O Brasil ainda não foi capaz de garantir que os filhos dos libertos fossem tratados com o respeito que seres humanos e cidadãos mereciam. Herança maldita presente na sociedade que quase equivale, na prática, a um sistema de castas. Alguns até conseguem escapar, mas a maioria das famílias permanece girando em círculos ao longo de gerações. O pior é que a discriminação é sempre do outro, nunca de nós mesmos.

Fonte: Blog do Sakamoto

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Mulheres negras e pobres são mais vulneráveis ao aborto com risco


Uma série de pesquisas realizadas no Brasil mostra que as desigualdades social e racial típicas do país desde a época colonial marcam também a prática do aborto. “As características mais comuns das mulheres que fazem o primeiro aborto é a idade até 19 anos, a cor negra e com filhos", descreve em artigo científico inédito a antropóloga Débora Diniz, da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis), e o sociólogo Marcelo Medeiros, também da UnB e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

O texto, relativo a uma etapa da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), será publicado em julho na Revista Ciência e Saúde Coletiva, da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Pública (Abrasco). A edição traz um dossiê sobre o aborto no Brasil, produzido com pesquisas feitas para o Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Diniz e Medeiros coordenaram, entre agosto de 2010 e fevereiro de 2011, levantamento com 122 mulheres entre 19 e 39 anos residentes em Belém, Brasília, Porto Alegre, no Rio de Janeiro e em Salvador.
Segundo os autores, a diferenciação sociorracial é percebida até no acompanhamento durante o procedimento médico. “As mulheres negras relatam menos a presença dos companheiros do que as mulheres brancas”, registram os pesquisadores. “Dez mulheres informaram ter abortado sozinhas e sem auxílio, quase todas eram negras, com baixa escolaridade [ensino fundamental] e quatro delas mais jovens que 21 anos”.

Os dados confirmam resultados encontrados pelos dois pesquisadores em 2010, quando verificaram, por meio de pesquisa de urna (método em que a entrevistada não se identifica no questionário que preenche e deposita em caixa vedada), que “o aborto é comum entre mulheres de todas as classes sociais, cuja prevalência aumenta com a idade, com o fato de ser da zona urbana, ter mais de um filho e não ser da raça branca”.

Conforme a pesquisa de 2010, 22% das mulheres brasileiras de 35 a 39 anos, residentes em áreas urbanas, já fizeram aborto. No levantamento, o aborto se mostrou mais frequente entre mulheres com menor nível de escolaridade, independentemente da filiação religiosa. “Esses dados demonstram que o aborto é prática disseminada, apesar da sua ilegalidade, constituindo-se questão para a saúde pública”, comenta Wilza Vieira Villela, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que pesquisou o aborto induzido entre as mulheres com HIV/AIDS.

Da mesma forma, o artigo de Rebeca de Souza e Silva, do Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp, confirma a tese de que a desigualdade social afeta o acesso à prevenção da gravidez e também a qualidade do aborto. De acordo com seu estudo comparativo entre mulheres casadas e solteiras residentes na cidade de São Paulo, “as solteiras recorrem proporcionalmente mais ao aborto provocado (…). Contudo, as mais pobres, com menor escolaridade e maior dificuldade de acesso às benesses do mundo moderno, continuarão pagando alto preço – que pode ser a própria vida – pela opção de provocar um aborto”.

Souza e Silva defende a legalização do aborto, por entender que o problema “só será resolvido se o acesso aos serviços de qualidade for equitativo” e que “a ilegalidade traz consequências negativas para a saúde das mulheres, pouco coíbe essa prática e perpetua a desigualdade social, uma vez que os riscos impostos pela tal ilegalidade são vividos, sobretudo, pelas mulheres menos escolarizadas, geralmente as mais pobres, e pelas que não têm acesso aos recursos médicos para o aborto seguro”.

Para Estela Aquino, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (Ufba), “as restrições legais não coíbem a prática [do aborto] no país, mas reforçam desigualdades sociais, já que as mulheres mais pobres fazem o aborto de modo inseguro, gerando hospitalizações desnecessárias e representando riscos à saúde”.

No Brasil, o aborto voluntário é ilegal e tipificado como crime no Código Penal. O aborto é autorizado em caso de estupro e de risco de morte da mulher. Neste semestre, o Supremo Tribunal Federal confirmou  jurisprudência praticada em vários tribunais que já permitiram a interrupção da gravidez de fetos anencéfalos (malformação no tubo neural, no cérebro).

Fonte Agência Brasil

CARTA ABERTA À IMPRENSA

"João Pessoa, 25 de junho de 2012
Prezados/as,

Vimos, através desta carta, manifestar nosso repúdio a maneira pela qual a imprensa tem noticiado os casos de violência contra as mulheres no estado da Paraíba, em particular, sobre as imagens utilizadas para ilustrar as matérias.

Não podemos aceitar a maneira com que as mulheres estão sendo expostas pela mídia, o que acreditamos reforçar ainda mais esta violência a que somos submetidas no dia a dia. Entendemos que tais imagens, com corpos mutilados, sem roupas, com tarja nos olhos, entre outras, reforçam a humilhação das vítimas, no que diz respeito aos crimes de caráter machista ou de violência de gênero, e estimulam ou ao menos recompensam aqueles que os cometeram. A humilhação da vítima, seja para lavar a honra, seja para obter prazer (no caso dos estupros) é sim, e não podemos calar quanto a isso, um dos motivos que levam seus algozes a cometê-los.

A imprensa também colabora com a ideia de que a mulher precisa ser "protegida", fazendo com que a sociedade insista na falsa ideia de fragilidade inerente ao nosso gênero. Precisamos sim, ser protegidas. Mas não por homens ou pelo comportamento "correto", que em muitos textos é reforçado como uma espécie de redutor da violência contra as mulheres; e sim por leis, igualdade e justiça.

Os veículos de imprensa tem que divulgar, sim, a violência contra as mulheres, que vem alcançando índices alarmantes nos últimos anos. Frisando, só em 2012, 73 mulheres foram mortas na Paraíba, segundo dados oficiais divulgados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado. Mas, lembramos que a mídia é formadora de opinião, identidades e valores, e, portanto, deve prezar pela ética, pelo respeito à dignidade humana, e as leis que regem este país, fazendo valer a sua responsabilidade social.

Insistimos que não é preciso recorrer a comunicação do grotesco para informar qualquer fato. Além das imagens, a imprensa da Paraíba tem produzido textos que reforçam a discriminação contra a população pobre, principalmente quando noticiam mortes que, supostamente, podem estar relacionadas ao tráfico de drogas. Ligando a morte das mulheres ao tráfico as condenam, subjetivamente afirmam que “ela deveria morrer, pois significava um problema para a sociedade”. A apuração dos fatos, ouvir TODOS os lados envolvidos nos acontecimentos é lição básica que aprendemos na universidade e que não podemos esquecer.

No dia em que a professora universitária, Briggída Lourenço, foi assassinada, alguns veículos de comunicação da Paraíba veicularam imagens dela morta, deitada de costas no chão de seu apartamento e de Elizabeth de Lima dos Santos, que foi assassinada em Mamanguape. Tais imagens violam a privacidade e a integridade das vítimas e em nada contribuem para a denúncia da violência contra as mulheres! Reforçamos: ÉTICA DEVE FAZER PARTE DO FAZER JORNALÍSTICO! A profissão tem um código de ética que deve ser observado e colocado em prática!

O uso destas imagens viola o artigo 5º, parágrafo X, da Constituição Federal que diz: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Ainda no mesmo artigo, parágrafo V, “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem”. Só para citar uma das diversas legislações brasileiras que preveem responsabilidades aos órgãos que violarem a imagem da pessoa.
Entendemos qualquer continuidade nessa linha de jornalismo, que consideramos sensacionalista e ineficaz, além de ferir os nossos esforços na mudança e conscientização da população acerca dos crimes de gênero, como uma atitude a ser denunciada e combatida".

ASSINAM:

Marcha das Vadias – PB

Cunhã – Coletivo Feminista/PB

Bamidelê – Organização de Mulheres Negras na Paraíba

Coletivo Feminista Teimosia/PB

Ilê Mulher – Porto Alegre/RS

Rede de Mulheres em Comunicação

Grupo de Mulheres Negras Nzinga Mbandi/SP
Associação de Mulheres Flor de Maio
Grupo de Mulheres Negras Saltenses
Associação de Mulheres Negras Acotirene
Associação de Mulheres de Araras/SP
Movimento Pela Saúde dos Povos/PHM Brasil
Rede de Mulheres em Articulação na Paraíba
Sandra Vasconcelos – jornalista
Frente Feminista do Levante
Associação Nacional dos Estudantes Livres (ANEL)
Letícia Fernandes Resck – atriz e feminista independente
 Centro de Ação Cultural - CENTRAC
Observatório da Mulher
 Associação das Trabalhadoras Domésticas de Campina Grande – PB
Coletivo Feminino Plural
ELAS POR ELAS - VOZES E AÇÕES DAS MULHERES/SP

- MCTP - MOVIMENTO NACIONAL CONTRA O TRÁFICO DE PESSOAS/SP
Fórum Nacional de Mulheres Negras

CEN - Coletivo de Entidades Negras

Sandra Muñoz – feminista
Eunice Gutman - Via TV Mulher
Sulamita Esteliam, jornalista e escritora 
blogue A Tal Mineira - Recife-PE

O Geledés – Instituto da Mulher Negra

 Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras
Jeanice Dias Ramos, jornalista, Porto Alegre/ RS
Tatiane Scherrer - Orçamentista Grafica – Limeira/SP
Terezinha Vicente - Ciranda Internacional da Comunicação Compartilhada
Articulação de Mulheres da Mata Sul/PE






 

quarta-feira, 27 de junho de 2012

PL das cotas será votado nesta quinta pela Comissão de Direitos Humanos do Senado

Até sábado 30/06, população poderá dizer se é a favor ou contra o Projeto de Lei 180/2008, através do site http://www.senado.gov.br/DataSenado

 
O Projeto de Lei (PL 180/2008) que visa estabelecer cotas para ingresso no ensino superior deverá ser votado na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal na manhã desta quinta-feira (28). De acordo com o PL, no mínimo 50% das vagas das seleções para cursos de graduação das Instituições Federais de Educação Superior (IFES), vinculadas ao Ministério da Educação, serão reservadas a estudantes que cursaram o ensino médio integralmente em escolas públicas. Dentre estes, negros e indígenas.

Com relação à cota racial, o número de vagas será definido pela proporção da população de afro-brasileiros e indígenas (IBGE/2010) em cada estado onde a instituição de ensino está localizada. O PL será apreciado no Senado, após aprovação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados. Em seguida, será encaminhado para a Comissão de Educação, Cultura e Esporte também do Senado Federal.

“A nossa avaliação é de que o PL 180/2008 está em conformidade com o Estatuto da Igualdade Racial e representa o fortalecimento de iniciativas de combate ao racismo, através de ações que garantam o acesso e permanência de jovens negros no ensino superior”, afirma a diretora de Programa da Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas da Seppir, Mônica Oliveira, justificando o acompanhamento e apoio à aprovação do Projeto de Lei por gestores da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir).

Constitucionalidade
A discussão sobre a oportunidade e conteúdo das ações afirmativas no Brasil não pode prescindir da contribuição do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu por unanimidade pela constitucionalidade das cotas em IFES, ao julgar improcedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 186) em abril último. Na ocasião, o ministro relator, Ricardo Lewandowski, destacou a importância de políticas públicas capazes de dar efetividade à igualdade esperada pelo constituinte originário.

“Para possibilitar que a igualdade material entre as pessoas seja levada a efeito, o Estado pode lançar mão, seja de políticas de cunho universalista - que abrangem um número indeterminado de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural - seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares”, afirmou Lewandowski em seu voto.

“Assim, restou reconhecido o direito e a constitucionalidade da atuação estatal na busca pela correção e aplicação da justiça distributiva/compensatória em face dos grupos deixados à margem do desenvolvimento social e econômico brasileiro”, completou o ministro.

Censo
Os dados do Censo da Educação Superior 2010/INEP do MEC, revela que ao todo existem 99 IFES no Brasil. Destas, 59 são universidades e 40 institutos da Rede Federal de Educação Tecnológica. Apenas 14 têm recorte racial exclusivo, sem outras condicionalidades, e 28 mesclam o recorte racial com recortes sociais (escola pública e renda), perfazendo um total de 42 instituições federais de ensino superior com algum tipo de ação afirmativa que consideram especificamente o critério raça/cor/etnia. Sem dúvida, a aprovação do PL 180/08 estenderia esse mecanismo de ação afirmativa a todas as universidades federais, o que certamente representa significativo aumento de oportunidades de ingresso para estudantes negros.

Fonte: SEPPIR

terça-feira, 26 de junho de 2012

Trabalho doméstico: herança histórica do racismo e sexismo no Brasil

luana fotoULFLuana Natielle Basílio e Silva
É sabido que existem alguns pilares que estruturam as desigualdades no Brasil. Este quadro que vivenciamos tem fortes traços marcados por dois elementos centrais na temática de desigualdade: sexismo e racismo. Além, obviamente, de outros elementos estruturantes para esse quadro, como a opressão de classe e a violência da imposição da heteronormatividade.
O papel histórico atribuído às mulheres sempre esteve relacionado ao espaço doméstico. Ambiente privado onde, destituídas da fala e de serem protagonistas de sua própria história, as mulheres ficavam à mercê das mais diversas formas de violência física, moral e psicológica, dentre outras. Ao quadro de construção de uma sociedade patriarcal e machista, soma-se a violência do racismo nesta representação, que por si só deveria gerar certo “desconforto” ou implicar em responsabilidades individuais e coletivas.
Nesse contexto, um tema de conturbada discussão se refere ao trabalho doméstico e mais especificamente às mulheres, que representam 95% das pessoas envolvidas nessa atividade, sendo que dessas 61% são mulheres negras (Fonte: PNAD, 2010). Além disso, das mulheres inseridas no mercado de trabalho, 17% estão no trabalho doméstico remunerado, o que representa em torno de 7 milhões de pessoas.
A reflexão que se traz a este quadro vivenciado pelas trabalhadoras domésticas se refere à herança histórica que a escravidão legou às mesmas. Nem é preciso uma profunda análise crítica para perceber a mentalidade da “benesse” que era concedida às trabalhadoras que tinham o “direito” de ficar na Casa Grande com os Senhores, acompanhar as Sinhás, servir de ama de leite, ser objeto sexual para a livre utilização de seus corpos pelos homens da casa e muitas vezes nem precisavam ficar na senzala com os demais negros escravizados. Afinal, do que elas poderiam reclamar? Perguntavam-se os senhores de negros escravizados.
Percebe-se a continuidade dessa mentalidade nas práticas cotidianas das/os empregadoras/es que não reconhecem o trabalho doméstico como outra atividade remunerada qualquer (com exceção da não-lucratividade), reproduzindo práticas deste período colonial Algumas/uns acreditam que esse serviço deve ser pago com “favores”, como dar as roupas usadas, por exemplo, ou que a não extensão de todos os direitos trabalhistas está relacionada à ausência de escolaridade (ensino formal), subestimando outras formas de produção de saber, inerentes a essa atividade.
Creuza Maria de Oliveira, Presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), no Seminário dos Trabalhadores Domésticos.Creuza Maria de Oliveira, Presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), no Seminário dos Trabalhadores Domésticos.
A vulnerabilidade não se refere tão somente às práticas cotidianas. O próprio Estado brasileiro compra esse discurso do “informalismo” (aqui utilizando-me de um eufemismo). Sob diversas alegações, transforma-se essa discriminação em texto legal, não estendendo às trabalhadoras domésticas todas as garantias trabalhistas. As justificativas passam pelo impacto econômico dessa extensão e pela possibilidade de diminuição do números de Carteiras de Trabalho assinadas, por exemplo.
Dessa forma, aumenta-se a vulnerabilidade das mulheres que exercem essa atividade. Tanto socialmente, no ambiente de trabalho, como legalmente, ao não ratificar a Convenção nº 189, que garante às domésticas os mesmos direitos que as/os demais trabalhadoras/es. É muita ousadia querer tratamento igualitário? E, mais uma vez, afinal, do que elas poderiam reclamar? Perguntam-se os novos senhores.
Diante desse quadro, duas coisas ficam bem explícitas. A primeira delas é que a situação das trabalhadoras domésticas deixa bem nítida as marcas do machismo e patriarcalismo brasileiro, que impõe ao corpo feminino o papel de “cuidado” do espaço doméstico, sem que isto represente uma atividade remunerada, já que a ela compete socialmente o zelo com o ambiente do lar. A segunda marca é o reconhecimento de que a precariedade e a vulnerabilidade social do trabalho doméstico são herança direta do sistema escravocrata e legado da mentalidade colonial, que ainda demonstra forte influência no pensar e no agir cotidianos e do Estado, ente que deveria garantir a equidade para todas/os.
Luana Natielle Basílio e Silva – Advogada, assessora do Cfemea e sócia colaboradora do Bamidelê

quinta-feira, 21 de junho de 2012

AMNB lança amanhã na Rio+20 coleção com dados sobre mulheres negras brasileiras 20/06/2012

Aprofundar o debate na sociedade brasileira sobre as condições raciais, sociais, econômicas e políticas que afetam a vida das mulheres negras e reforçar o enfrentamento da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) ao racismo, ao sexismo e à lesbofobia são os objetivos da Coleção Cadernos de Informação AMNB, cujo lançamento acontece na próxima quinta-feira (21), às 18h, durante a Cúpula dos Povos na  Rio+20, na Tenda 34 (Aterro do Flamengo).

As publicações que estão sendo lançadas no Rio de Janeiro são “Mulheres Negras e o Trabalho Doméstico no Brasil”,  de Maria Conceição Fontoura e Simone Cruz (orgs),  e“Saúde da Mulher Negra: Guia para a defesa dos direitos das mulheres negras”, de Jurema Werneck (org.). As análises oferecem, respectivamente, um diagnóstico sobre as desigualdades raciais no mundo do trabalho - em especial o trabalho doméstico -, e sobre a saúde das  mulheres negras.

De acordo com as organizadoras Simone Cruz e Maria Conceição Fontoura, ambas coordenadoras da AMNB, o grupo escolheu lançar essas publicações durante a Cúpula dos Povos em busca de visibilização: “Queremos chamar a atenção para as desigualdades promovidas pelo atual modelo de desenvolvimento. As duaspublicações revelam a realidade de grande parcela das mulheres negras que tem seus direitos violados e estão expostas a diferentes facetas do racismo institucional, do racismo patriarcal e o racismo ambiental produzidos no Brasil”, afirmam.

Para elas, “o atual modelo de desenvolvimento é extremamente perverso para as mulheres negras brasileiras. Afinal, somos nós que exercemos os trabalhoconsiderados de menor prestígio na sociedade, recebemos os mais baixos salários e formamos o setor que está permanece desamparado pelas leis que regem o mundo do trabalho”, concluem.

Fonte:Associação Cultural de Mulheres Negras - ACMUN

quarta-feira, 13 de junho de 2012

UFRN promove seminário sobre ações afirmativas



Será realizado nesta sexta-feira (15), na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o “Seminário Ações Afirmativas e Educação: reflexões etnicorraciais”, que tem como eixos gerais debater sobre as políticas de inclusão, mais conhecidas como ações afirmativas. O seminário deve enfocar as ações afirmativas voltadas para o campo da educação etnicorracial, tanto no campo da produção de materiais didáticos e componentes curriculares que incluam as temáticas indígenas e negras, quanto na inclusão de outras vozes e epistemologias, não-ocidentais e tradicionais, nas salas de aula e auditórios.
Neste encontro, os organizadores propõem-se a reflexão, especialmente em torno das políticas de reserva preferencial de vagas, no caso para negros e índios, popularmente chamadas de “políticas de cotas”; e da produção de materiais didáticos que deem conta de atender o que propõe a lei 10.639, que torna obrigatório o ensino de história e cultura africana e de cultura afro-
brasileira. Além disso, mais uma vez, reúnem-se representantes de comunidades tradicionais, como os quilombolas, para traçar pontos em comuns e paralelos entre trajetórias negras no estado do Rio Grande do Norte. A realização do seminário é da Secretaria de Educação a Distância e do Departamento de Antropologia da UFRN.

Confira a programação:

15/06 (6ª feira), Auditório do IFRN (Cidade Alta)
 8h30-11h30

Mesa: Ações afirmativas e educação
Prof. Dr. José Jorge de Carvalho (PPGAS/UnB)
Prof.a Dr.a Maria Anória de Jesus Oliveira (Mestrado em Crítica
Cultural/UNEB)

Noite  - 18h30-21h30
Mesa: Trajetórias quilombolas

Vilmário Candido Pereira e Pedro Daniel Pereira
(Comunidade de Macambira, Lagoa Nova)
Maria das Graças Fernandes e Sebastião Genicarlos dos Santos
(Comunidade de Boa Vista dos Negros, Parelhas)
Silvana Rodrigues dos Anjos
(Comunidade de Moita Verde, Parnamirim)



terça-feira, 12 de junho de 2012

Estudantes africanos marcham contra o racismo nesta quinta em João Pessoa



Estudantes de diversos países africanos realizam nesta quinta-feira (14), às 8h30, uma marcha para denunciar os casos de discriminação racial e de racismo dos quais tem sido vítimas nos últimos anos no Brasil e na Paraíba, e que resultaram/resultam em ações preconceituosas, difamações, violências físicas e até mesmo assassinatos. A concentração da marcha será no Parque Sólon de Lucena (Lagoa), sendo finalizada na praça dos três poderes, Centro de João Pessoa.

Os estudantes enviaram ao embaixador de Cabo Verde no Brasil, Daniel Pereira, um documento, onde relatam as agressões que vem sofrendo na Paraíba, e pedem ao diplomata que tomem providências urgentes em prol dos Direitos Humanos, salvaguardando a vida deles, como também se mantenham solidários e atentos a esta problemática. Os estudantes pedem também que o clima de paz, harmonia, civilidade e respeito mútuo entre o povo africano e o brasileiro volte a acontecer.


No documento, eles ainda citam outros casos de racismo que aconteceram contra estudantes africanos no Brasil, entre eles, no Maranhão, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Brasília, onde aconteceram ameaças e ateamento de fogo em residências, e a mais recente violência, o assassinato de uma estudante angolana, em São Paulo. Ela levou um tiro na testa e morreu na hora. Além desta estudante de Angola, outros 4 estudantes africanos também foram atingidos, uma delas estava grávida e levou um tiro na barriga.


A Marcha em favor da Justiça e contra o racismo e à discriminação aos estudantes africanos no Brasil conta com o apoio da Bamidelê – Organização de Mulheres Negras na Paraíba, Núcleo de Estudos e Pesquisas Afrobrasileiros e Indígenas (NEABI), além de outras organizações governamentais, não governamentais e movimentos sociais. Um manifesto contra o racismo em defesa dos direitos humanos está sendo organizado. Quem desejar aderir ao Manifesto, deve enviar email para robevaniamaracaja@hotmail.com, até a manhã desta quarta-feira (13).

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Jornalistas e ativistas do movimento de mulheres parabenizam Bamidelê pela oficina Enegrecendo o Jornalismo PB





Por Mabel Dias

A oficina “Enegrecendo o Jornalismo Paraibano – uma discussão sobre as desigualdades etnicorraciais e de gênero”, realizada pela Bamidelê – Organização de Mulheres Negras na Paraíba, em parceria com a Associação Paraibana de Imprensa (API), no último dia 29 de maio, recebeu várias manifestações de apoio e reconhecimento pela iniciativa, oriunda de jornalistas e ativistas do movimento de mulheres no Brasil.

Para a professora de Jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco e integrante do Conselho Curador da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), Ana Veloso, esta discussão com a imprensa é fundamental para que tenhamos um jornalismo mais comprometido com sua função social. “Enfrentar o racismo, a homofobia/lesbofobia e o sexismo devem fazer parte do compromisso ético e político de nossa profissão.”, afirmou Veloso.

A jornalista e escritora Angélica Basthi, que também faz parte da Cojira – Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato de Jornalistas do estado do Rio de Janeiro ressalta que a mídia brasileira tem sido palco privilegiado para a reprodução de estereótipos e invisibilização das populações historicamente discriminadas. “Iniciativas como essa da Bamidelê são fundamentais  para auxiliar os jornalistas na cobertura qualificada dos temas relacionados à população negra, sobretudo na temática do gênero, raça e etnia. Parabéns à Bamidelê pela iniciativa!"


"Negras e negros na mídia brasileira sempre aparecem de forma errônea, subalterna e incapaz, como cidadãos sem nenhuma categoria e como se não merecessem respeito como seres humanos”, chamou à atenção Silvana Veríssimo, presidenta do Nzinga Mbandi, Organização de Mulheres Negras de São Paulo. Para ela, a ação da Organização de Mulheres Negras Bamidelê, realizando a oficina “Enegrecendo o Jornalismo”, contribui para que essa visão negativa e deturpada  da população negra, maioria no Brasil, seja  repensada, fazendo com que os profissionais de jornalismo se conscientizem do racismo institucional, estrutural e latente existente no país e busquem estratégias para combatê-lo.

Para a ativista feminista, Lina Efigênia, a oficina é uma iniciativa merecedora de respeito e reconhecimento.
Segundo Lina, sua importância é fundamental para a interlocução efetiva entre os movimentos de direitos humanos/movimento de mulheres e @s profissionais de mídia, por possibilitar a reflexão sobre a estigmatização e os estereótipos que a mídia reproduz, contribuindo assim, irresponsavelmente, para a sua perpetuação. “Nós mulheres negras fomos (e ainda somos) alijadas da história oficial deste País, ao qual demos nossa contribuição, mesmo que tenha sido através do trabalho e de nossa atuação como escravizadas; e continuamos a fazê-lo, nas mais diversas ocupações, sem que sejamos reconhecidas”, afirma. 
A ação da Bamidelê também recebeu apoio das jornalistas Jeanice Ramos, de Porto Alegre; Juliana César Nunes, da EBC, de Brasília; Bia Barbosa, do Coletivo Intervozes, São Paulo; da educadora do SOS Corpo, de Recife, Paula de Andrade; e da professora de Comunicação da UEPB, Sandra Raquew, da Paraíba.